Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
23 de Abril de 2024

Da abusividade de cobrança da taxa SATI / ATI

A cobrança de serviço de atendimento técnico-imobiliário em imóvel adquirido na planta é abusiva.

há 7 anos

Da abusividade de cobrana da taxa SATI ATI

Estabelece o artigo , inciso I, da Lei nº 8.078/90, que:

"A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;"

Em perfeita sintonia com o nosso cotidiano, assim, o texto legal em apreço dispõe que o consumidor deve merecer tratamento compatível com a sua condição de elo mais frágil nas relações de consumo. Tratando-se de matéria contratual, nomeadamente dos chamados contratos de adesão, como é o caso, o desequilíbrio afigura-se patente em desfavor do consumidor.

Nas palavras de Cláudia Lima Marques:

"... No caso dos contratos, o problema é o desequilíbrio flagrante de forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4º, I), é o polo mais fraco da relação contratual, pois não pode discutir o conteúdo do contrato: mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva, só tem uma opção, ‘pegar ou largar’, isto é, aceitar o contrato nas condições que lhe oferece o fornecedor ou não aceitar e procurar outro fornecedor. Sua situação é estruturalmente e faticamente diferente da do profissional que oferece o contrato. Este desequilíbrio de forças entre os contratantes é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos contratantes, protegendo o direito aquele que está na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente." (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6 ed. São Paulo: RT, 2011, p. 321)

No caso em tela, portanto, o ditame ganha altíssima relevância, pois se está a tratar de contrato de adesão volvido à aquisição de casa própria pelos consumidores finais.

Nada obstante os serviços de assessoria imobiliária não sejam classificados, por si sós, como atividades ilícitas, a cobrança por eles constitui prática abusiva e vedada pelo ordenamento jurídico quando ocorre em contrato de venda e compra de imóveis na planta.

De fato, atuando conjuntamente na construção, incorporação e corretagem imobiliária, essas empresas e seus “colaboradores” promovem em seus empreendimentos a comercialização de unidades habitacionais, recebendo dos adquirentes não apenas o preço pela venda do imóvel, mas também quantias em dinheiro a título de serviços de assessoria técnico-imobiliária, jurídica, de crédito ou assemelhada (também conhecida por “taxa SATI ou ATI”).

Certo é, porém, que ao se dirigir ao empreendimento imobiliário, o consumidor o faz em busca da aquisição de um bem imóvel, e não da contratação de assessoria, seja ela qual for.

Invariavelmente, no entanto, quando da aquisição de imóveis o consumidor se depara com a cobrança compulsória pelos supostos serviços de assessoria técnico-imobiliária.

No caso em tela a exigência de pagamento sob essa rubrica é automática – não há informação clara e precisa quanto ao objeto dos hipotéticos “serviços técnico-imobiliário”, o critério adotado na fixação do valor cobrado e, sobretudo, que a aquisição do imóvel independe da contratação de quaisquer serviços dessa natureza.

A cobrança é simplesmente imposta aos consumidores, sem consentimento informado e independentemente de qualquer contraprestação, isto é, da real, efetiva e comprovada execução desses supostos serviços.

Em outras palavras, a devolução desses valores é cabível porque a cobrança é imposta indevidamente aos compradores desde a origem da transação, independentemente da sorte do negócio celebrado com as empresas do ramo de construção, que, no caso, atuam em clara desobediência às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse aspecto, portanto, já é possível divisar a primeira violação à ordem jurídica perpetrada pela acionada, na medida em que, nos termos do art. da Lei nº 8.078/90 (CDC), são direitos básicos do consumidor:

"III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;"

Mas além de negar informação adequada e precisa aos consumidores, a exigência de pagamento “extra” por “serviços técnicos” nos empreendimentos imobiliários denota, por si só, rematado abuso de direito.

Daí, por conseguinte, a nulidade de quaisquer disposições contratuais que imponham ao consumidor o pagamento por “serviços” dessa natureza, ex vi do disposto no art. 51, inciso IV, da Lei 8.078/90:

"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:(...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;"

Além da ilicitude da cobrança em si, as construtoras/incorporadoras e seus colaboradores incorrem em prática abusiva, ainda, na forma de comercialização desses “serviços”, uma vez que impõem aos consumidores, invariavelmente, a chamada “venda casada” no fornecimento de produtos e serviços.

A prática, todavia, é abusiva e expressamente repelida pelo Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;"

Neste sentido, a Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 - acertadamente – também refutou essa prática da Venda Casada, inclusive a incluindo como prática de crime contra a ordem econômica, vejamos:

"Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011" [... Dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica...]

"Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:"[...]

"§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:" "XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem."

Assim, não pode ser mantida a avença abusiva, que condiz em prática ilegal contra a ordem econômica.

O próprio Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI), mediante a Resolução nº 1.256/2012, traz a seguinte norma proibitiva:

"Art. 3º - É vedado aos inscritos no Regional cobrarem de seus clientes, para si ou para terceiros, qualquer taxa a título de assessoria administrativa jurídica ou outra, assim como devem denunciar ao Regional a cobrança de tais taxas quando feitas pelo incorporador, pelo construtor ou por seus prepostos."

No mais, há de se ressaltar a diferença entre liberdade de contratar e liberdade contratual, a qual faz bem a distinção a doutrinadora Giselda Hinoraka, sendo a liberdade de contratar a ilimitada vontade do consumidor de realizar o negócio jurídico, no caso, de adquirir a propriedade particular, e, o próximo passo, a liberdade contratual a qual se traduz na submissão do consumidor a cláusulas abusivas, contratos de adesão, contratos sem informações básicas, os quais visam distorcer as normas atinentes ao consumidor (tão almejada pelo CDC) e tentam lhe impor uma obrigação acessória, a qual foge de seu interesse inicial, da obrigação principal que buscava assumir.

Neste sentido, confirmando tudo quanto acima exposto, em julgamento de Recurso Repetitivo, Resp 1.599.511/SP, o E. Superior Tribunal de Justiça entendeu por firmar a seguinte tese:

"Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel." (STJ - Resp 1.599.511/SP (2016/0129715-8); REL. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO; Segunda Seção; Data do Julgamento: 24/08/2016; Data da publicação: 06/09/2016).

Assim, a taxa SATI/ATI cobrada em estande de vendas é considerada abusiva quando realizada em contrato de compra e venda de imóvel na planta, em que não traz o contrato a possibilidade do consumidor contratá-la ou não, e/ou mesmo quando não faz referência a quais serviços serão prestados e a descrição de valores cobrados com sua real destinação.

  • Publicações101
  • Seguidores238
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações675
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/da-abusividade-de-cobranca-da-taxa-sati-ati/419627613

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)