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18 de Abril de 2024

Da possibilidade de pronunciamento de ofício de cláusulas abusivas pelo julgador

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há 7 anos

Da possibilidade de pronunciamento de ofcio de clusulas abusivas pelo julgador

O artigo do Código de Defesa do Consumidor é claro ao estabelecer que a lei consumerista é norma de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos , inciso XXXII e 170, inciso V, ambos da Constituição Federal, e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.

Isso significa, na prática, que as normas do Código de Defesa do Consumidor podem ser alegadas em qualquer tempo e grau de jurisdição, ou seja, o juiz ou desembargador tem o dever de pronunciá-las de ofício, independentemente de requerimento da parte.

Neste sentido, inclusive é firme a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer que as questões de ordem pública contempladas pelo código consumerista podem e devem ser conhecidas pelo julgador de ofício:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. I - Questões de ordem pública contempladas pelo Cód. Defesa do Consumidor, independentemente de sua natureza, podem e devem ser conhecidas, de ofício, pelo julgador. Por serem de ordem pública, transcendem o interesse e se sobrepõem até a vontade das partes. Falam por si mesmas e, por isso, independem de interlocução para serem ouvidas. II - Por outro lado, não caracterizada, no ponto, a sucumbência, até faltaria ao recorrente interesse para o recurso. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 703558 RS 2004/0160782-9, Relator: Ministro CASTRO FILHO, Data de Julgamento: 29/03/2005, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 16/05/2005 p. 349).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO E DECLARAÇÃO “EX OFFICIO” DA NULIDADE DE CLÁUSULA NITIDAMENTE ABUSIVA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, que autoriza a revisão contratual e a declaração de nulidade de pleno direito de cláusulas contratuais abusivas, o que pode ser feito até mesmo de ofício pelo Poder Judiciário. Precedente. (REsp. 1.061.530/RS, afetado à Segunda Seção). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 334991 RS 2001/0091951-0, Relator: Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), Data de Julgamento: 10/11/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/11/2009).

Dentre as diversas normas de ordem pública e interesse social instituídas em todo o diploma consumerista está o artigo 51, que elenca um rol exemplificativo de cláusulas abusivas, definindo como “nulas de pleno direito”, ou seja, não são anuláveis (cláusulas com imprescindível impugnação da parte, que não podem ser declaradas de ofício), assim sendo NULAS DE PLENO DIREITO podem e devem ser declaradas de ofício ou a requerimento da parte, em qualquer grau de jurisdição:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; [...]

Ademais, disserta a respeitada doutrinadora Ada Pellegrini Grinover:

O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. [...] a cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas, se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrário às novas normas de ordem pública de proteção do CDC, e a autonomia de vontade não prevalecerá (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. 10ª ed. Revista, atualizada e reformulada – Rio de Janeiro: Forense, 2011, vol. I, Direito Material (arts. 1º a 80 e 105 a 108); p. 573 e 574).

Colaborando com todo o exposto, o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil estabelece que: "Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos."

Assim, o reconhecimento junto ao Poder Judiciário de abusividade de cláusulas contratuais devem e podem ser analisadas pelo Julgador, e, de acordo com o caso concreto, o magistrado deverá se manifestar sobre convenção contrária a preceitos de ordem pública (artigo , artigo 39 e artigo 51, inciso IV do CDC, entre outros), que, por exemplo, traz vantagem excessiva ao fornecedor.

Dessa forma, é certo que a decisão que pronuncia, de ofício, a abusividade/ilegalidade das cláusulas constantes nos contratos de consumo não ofende a princípio do tantum devolutum quantum appelatum, vez que, nos recursos, quando há matéria de ordem pública, além da incidência do efeito devolutivo, pode ocorrer o efeito translativo.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre a questão de aplicação do efeito translativo e mudança do julgado, aplicando a seguinte regra:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. COISA JULGADA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO TRANSLATIVO. APLICABILIDADE AOS RECURSOS ORDINÁRIOS. 1. Hipótese em que a parte agravante alega impossibilidade de análise, pela instância de origem, da questão relacionada à coisa julgada em face de supressão de instância. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as instâncias ordinárias podem conhecer ex officio de matéria de ordem pública, em respeito ao efeito translativo dos recursos ordinários e ao princípio da economia processual, possibilitando, inclusive, a extinção do feito principal sem resolução do mérito. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1306712/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 10/09/2014)

Aliás, no julgamento do recurso de apelação nº 0302470-82.2010.8.26.0000 (Tribunal de Justiça de São Paulo; Origem comarca: São José dos Campos; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 18/05/2011; Data de registro: 20/05/2011; Outros números: 990103024702), o Relator Elcio Trujillo, assim descreveu:

"Cabe aqui observar que o nosso direito prestigiou os princípios do ‘jura novit cúria’ e do ‘da mihi factum, dabo tibi jus’. Isso significa que a qualificação jurídica dada aos fatos narrados pelo autor não é essencial para o sucesso da ação. Tanto que o juiz pode conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da atribuída pelo autor (RSTJ 111/139), sendo que “o juiz aplica o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado” (STJ-RSTJ 21/432)".


Ainda, nota-se, que não há que se falar em descumprimento dos princípios do contraditório e da ampla defesa (artigo 10 do Código de Processo Civil), eis que antes do pronunciamento de ofício o julgador, o mesmo deve abrir prazo para a outra parte se manifestar sob a matéria a ser ventilada, evitando-se a alegação de falta de oportunidade de defesa e eventual cassação do julgado 'surpresa'.

Portanto, verifica-se que o Julgador sempre pode e deve efetuar a análise de matéria de ordem pública e nulidade de pleno direito (artigos e 51, inciso IV do CDC), devendo-se pronunciar de ofício, ou a requerimento do consumidor, a abusividade constatada, abrindo prazo anteriormente para a parte se manifestar.

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3 Comentários

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Artigo muito bom! Parabéns ao Dr. Marcelo pela colaboração com a sociedade. Faço apenas uma observação para contribuir ainda mais ao texto do colega. Trata-se da proibição de, nos Contratos Bancários, o julgador não poder atuar de ofício para conhecer cláusulas abusivas naquele tipo de situação. Vide a súmula de nº 381 do STJ. Abraço!!! continuar lendo

Dr. Marcelo Madureira, parabéns pelo artigo. continuar lendo

Muito obrigado colega, foi maravilhosa a sua peça disponibilizada. continuar lendo